3 werner patologia geral aplicada a veterinária
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**8 Introdução à Patologia Animal**
*Conteúdo*. Caso a lesão se caracterize por conter algo, deve-se descrever a lesão em si e o aspecto, a cor, o cheiro, a consistência e o volume de seu conteúdo.
*Odor*. Muitas lesões ou doenças têm odores características. Como descrever um odor é impossível (tente descrever o cheiro do alho, por exemplo), deve-se compará-lo ao odor de algo conhecido ou mencionar a sensação provocada pelo odor em questão. Por exemplo, o odor de manteiga rançosa (ácido butírico) nas fases iniciais das infecções por *Clostridium* sp (gangrena gasosa) e por *Clostridium chauvoei* (carbúnculo sintomático); o cheiro putrefato das gangrenas em geral; o odor agressivo ou nauseabundo da pododermatite infecciosa dos ovinos (*foot rot*).
*Distribuição*. Por distribuição entende-se o modo e a extensão em que uma lesão aparece em um órgão. As possibilidades são as seguintes:
– *Difusa*: quando a totalidade ou a quase-totalidade do órgão é atingida (Fig. 1.3).
– *Focal*: quando a lesão é única e de tamanho relativamente pequeno (Fig. 1.4).
– *Multifocal*: quando a lesão é múltipla ou formada por vários focos (Fig. 1.5).
– *Extensa localizada* (ou localmente extensiva): quando atinge grande parte, mas não a totalidade, de um órgão (ver Fig. 1.2). Neste caso, deve-se informar a porcentagem do órgão que está comprometida.
Indiscutivelmente, a distribuição é a mais importante das características morfológicas a serem consideradas em qualquer lesão. Em primeiro lugar, porque
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**Figura 1.3** – Pulmão. Lhama. Pneumonia difusa por *Adenovirus*. Esse tipo de contribuição é típico das pneumonias intersticiais por vírus ou por algumas substâncias tóxicas e atingem o pulmão pela corrente sanguínea. O termo *difusa* indica que todo, ou quase todo, o parênquima pulmonar está comprometido de forma uniforme.
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**Introdução à Patologia Animal 9**
978-85-7241-880-5
**Figura 1.4 – Pulmão. Cabra. Pneumonia purulenta (abscedente) focal crônica por *Corynebacterium pseudotuberculosis*. Este é um exemplo de distribuição focal de uma lesão. O pus contido no abscesso tem consistência pastosa e aspecto caseoso, isto é, sua consistência lembra o queijo (caseum) ricota, daí o nome. Pode-se afirmar que a lesão é crônica pela presença de proliferação de tecido, que aparece como uma cápsula fibrosa em torno do abscesso. Considerando-se as características morfológicas da lesão e a espécie animal envolvida, pode-se emitir o diagnóstico definitivo de linfadenite caseosa ou pseudotuberculose.**
algumas doenças têm lesões com distribuição distinta e característica que, muitas vezes, permite seu diagnóstico definitivo. Em segundo, porque é a única das características morfológicas macroscópicas que obrigatoriamente integram a composição do diagnóstico morfológico das lesões. As Figuras 1.2 a 1.5 mostram exemplos das várias formas de distribuição, seu diagnóstico morfológico e das doenças que representam.
**Tempo de evolução.** A evolução de uma lesão, ou mesmo de uma doença, pode ser aguda ou crônica. Esses termos indicam, respectivamente, que ela está presente no paciente há pouco ou há muito tempo. Existe alguma confusão com o termo *agudo*, pois se tende a utilizá-lo no sentido de severo, o que não é correto. Evidentemente, o tempo de evolução não é uma característica morfológica; todavia, no exame macroscópico, frequentemente é possível estimar se a lesão é recente ou se existe há muito tempo. Por exemplo, quando a lesão é crônica, muitas vezes ocorre uma alteração perceptível ao exame macroscópico: a proliferação de tecido associada à lesão, geralmente fibrose (Figs. 1.4 e 1.6). Já a lesão aguda exibe apenas fenômenos vasculares, geralmente hiperemia (Figs. 1.5 e 1.7).
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**Figura 1.5 – Pulmão. Suíno jovem. Pneumonia purulenta (abscedente) multifocal aguda. Note como os abscessos são múltiplos; em torno de cada um, observa-se hiperemia, o que caracteriza a reação como aguda. Esta é uma lesão classicamente produzida por bactérias piogênicas, no caso *Streptococcus* sp, que chegam ao pulmão por via hemática sob a forma de êmbolos sépticos.**
**Figura 1.6 – Lesão crônica – tecido de granulação exuberante. Jumento. O tecido de granulação é o arquétipo da reação crônica. Ele recebe esse nome em virtude do aspecto granular de sua superfície, causado pela proliferação de tecido conjuntivo fibroso e vasos neoformados. Ferimentos cutâneos em equídeos, sobretudo nas extremidades, são particularmente sujeitos a apresentar excesso de tecido de granulação, que decorre de trauma repetido, infecção bacteriana persistente e larvas de moscas.**
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**Figura 1.7 – Lesão aguda. Piodermite. Cão. A piodermite é uma inflamação purulenta, geralmente aguda, da pele. A lesão inflamatória aguda caracteriza-se por reação apenas circulatória e exsudativa, não proliferativa. Note a presença de hiperemia e de vesículas contendo exsudato purulento. Foto: Dra. Juliana Werner.**
# Emprego Correto de alguns Termos
É no estudo da patologia que o estudante faz o primeiro contato com a maioria dos termos que constituirão seu vocabulário médico. Contudo, em vista da massificação e da disponibilidade das informações, o estudante inicia seu curso já conhecendo muitos termos médicos. O problema é que o vocabulário médico dos estudantes reflete o da população em geral, caracterizado por termos mal empregados cujo uso repetido, até por alguns profissionais médicos, os perpetua e faz com que pareçam corretos. Neste livro, o emprego correto de termos médicos será enfatizado e, neste contexto de “introdução à patologia”, iniciamos esclarecendo o emprego de alguns dos termos mais usados.
*Autópsia, necropsia e biópsia.* O termo *autópsia* é mais bem empregado quando o procedimento é realizado em pessoas, uma vez que o termo original foi criado exatamente em referência aos seres humanos. Quando se faz uma autópsia, é como se examinasse a si próprio, daí o nome (*auto =* si próprio + *opsis =* olhar ou examinar). *Necropsia* (escrito assim mesmo, sem acento), por outro lado, refere-se ao exame do cadáver (*necro =* morte, cadáver), seja ele de pessoas ou de animais. Embora os franceses usem autópsia tanto para pessoas quanto para animais, necropsia é o melhor termo a ser empregado, sempre. Biópsia é o exame de um fragmentado colhido do paciente vivo (*bio =* vivo) e não se aplica ao exame de amostras colhidas durante a necropsia.
*Colher e coletar.* Colher significa retirar uma porção de um todo, como uma fruta de uma árvore. Muitas vezes, porções de órgãos, tecidos ou fluidos orgânicos (referidas como *amostras*) são retiradas do paciente para exame posterior
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em laboratório. Portanto, uma amostra é colhida do paciente. Por outro lado, *coletar* subentende colecionar ou juntar várias porções, como a coleta das doações dos fiéis na igreja ou a coleta do lixo. Veja o emprego correto de ambos os verbos na seguinte frase: “as amostras colhidas do paciente foram coletadas em um frasco com formol”.
*Lesão.* É a alteração consequente à doença; tanto pode ser morfológica quanto bioquímica ou funcional. Como sempre resulta de doença, é redundante dizer “lesão patológica”.
*Doença.* Este é o termo a ser empregado para se referir à presença de uma anormalidade física ou psíquica. Curiosamente, muitos usam o termo *patologia* para isso. Patologia não é doença, é o estudo da doença. Além de doença, outras palavras poderiam ser empregadas: enfermidade, mal, moléstia, etc.
*Etiologia.* Muitos dizem, por exemplo: “a etiologia do carbúnculo é o *C. chauvoei*”. É preciso tomar cuidado com essa confusão muito frequente. Etiologia significa *estudo das causas das doenças*, e não a causa das doenças. O termo correto para essa última finalidade é “agente causal” ou “agente etiológico”.
*Sinal e sintoma.* As doenças ou estados mórbidos manifestam-se por meio de sinais e sintomas. Enquanto *sinal* indica as manifestações objetivas da doença (aquelas que se vê), *sintoma* refere-se às manifestações subjetivas (aquelas que se sente). Assim, ao passo que os sinais são exibidos pelo paciente, os sintomas são *sentidos* e *relatados* por ele ao médico. Por exemplo, uma pessoa entra claudicando (um sinal) no consultório e relata ao médico que claudica porque sente dor (um sintoma) ao andar. Um cão não relata sua dor ao médico veterinário; no máximo manifesta seu desconforto ganindo, o que é um sinal clínico. *Note, portanto, que o termo sintoma não tem aplicação em medicina veterinária.*
## Importância da Necropsia
Ao contrário da medicina de seres humanos, na medicina veterinária a eutanásia pode ser proposta como parte do procedimento diagnóstico em medicina populacional ou de rebanhos. Da mesma maneira, na medicina veterinária é comum os pacientes serem necropsiados pelo mesmo profissional que os atendeu clinicamente. Essas duas características dão aos médicos veterinários uma enorme vantagem sobre as demais profissões médicas. Isso porque, além de ser um dos mais eficazes métodos diagnósticos, a necropsia é o mais completo e eficiente instrumento de aprendizado e treinamento que o médico veterinário tem a seu dispor. Ao fazer uma necropsia, ele pode examinar de forma direta e irrestrita o exterior e todas as cavidades e órgãos internos do paciente. Nesse exame, ele pode confirmar ou não seu diagnóstico clínico presuntivo ou suas suspeitas; pode avaliar a eficácia da terapêutica empregada; pode avaliar sua técnica operatória; e pode, por fim, estudar e revisar seus conhecimentos de anatomia, fisiologia e
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patologia. Contudo, apesar de tão útil, muitos veterinários relutam em utilizá-la, o que é lamentável. Como prova do que se disse, note que todos os grandes clínicos e cirurgiões veterinários sempre foram assíduos frequentadores das salas de necropsia em suas universidades de origem e, no exercício profissional, quando não realizam as necropsias eles mesmos, frequentemente acompanham as necropsias de seus pacientes quando feitas por patologistas.
O material necessário para executar uma necropsia é extremamente simples: equipamento de proteção individual (EPI), uma faca de boa qualidade, uma tesoura e uma pinça de dissecação são suficientes. Quanto ao EPI, que tipo de equipamento usar e quando depende apenas do bom senso. Alguns médicos veterinários costumam negligenciar o perigo a que estão constantemente expostos e não utilizam EPI adequado, ou equipamento nenhum, muitas vezes nem luvas; e não são poucos os que já pagaram muito caro pela negligência, muitas vezes com as próprias vidas.
## Bibliografia
ANDREWS, J. J. *The veterinary clinics of North America – Food animal practice*. Philadelphia: WB Saunders, 1986.
DORLAND’S ILLUSTRATED. *Medical Dictionary*. 29. ed. Philadelphia: WB Saunders, 2000. 2088p.
FERREIRA, A. B. H. *Novo Dicionário Aurélio*. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2008 (CD-ROM).
KING, J. M.; ROTH-JOHNSON, L., DODD, D. C.; NEWSON, M. E. *The Necropsy Book*. 4. ed. Ithaca: New York State College of Veterinary Medicine – Cornell University, 2005. 242p.
SCHALLER, O. *Illustrated Veterinary Nomenclature*. Stungart: Enke Verlag, 1992. 614p.
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# Capítulo 2
## Etiologia
Etiologia é o estudo das causas das doenças e, por extensão, também da maneira como as lesões são produzidas. Quando se tenta esclarecer ou definir quais são as causas e como uma lesão específica foi produzida, o termo a ser empregado é **etiopatogenia**.
É necessário considerar que, assim como existem fatores que, diretamente, causam a doença, existem outros que predispõem o organismo à sua ocorrência. Esses fatores são denominados, respectivamente, **predisponentes** e **determinantes** da doença.
### Fatores Predisponentes
Os fatores que predispõem o organismo às doenças são chamados de **intrínsecos**, quando próprios do indivíduo, ou **extrínsecos**, quando estranhos ao organismo ou pertencentes ao meio externo.
O fato de algumas espécies animais serem suscetíveis à ação de determinado agente infeccioso, enquanto outras não se infectam com ele, não se considera fator predisponente. A capacidade de infectar ou não determinada espécie animal é uma característica adaptativa do agente infeccioso, não do animal que seria infectado.
### Fatores Intrínsecos
Fatores intrínsecos são aqueles que fazem parte do fenótipo individual e podem ou não ter a ver com seu perfil genético. Em outras palavras, embora sejam inatos, podem ou não ser hereditários.
*Espécie, raça e família.* Esse tipo de predisposição é nitidamente hereditário. Exemplos clássicos de características raciais ou de gênero e espécie influenciam a incidência de algumas doenças. Cães, por exemplo, são mais suscetíveis que outros animais a certos tipos de neoplasias e, dentre as diversas raças caninas, os da raça Boxer são notoriamente mais suscetíveis que as demais ao mastocitoma, uma das mais importantes e graves neoplasias de cães. Já algumas doenças são mais prevalentes em indivíduos com graus de parentesco entre si, caracterizando as chamadas *doenças familiares*.
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