11 werner patologia geral aplicada a veterinária

### Lesão por Reperfusão

A lesão por reperfusão, por sua importância, merece algum destaque nesta discussão. É fato comprovado por muitos estudos experimentais que o restabelecimento da perfusão sanguínea em tecidos isquêmicos é seguido de exacerbação da agressão e lesão às células. Esse fenômeno é causado pela liberação abrupta de radicais livres derivados do oxigênio quando este atinge em abundância os tecidos hipóxicos após o restabelecimento da perfusão. Esse fenômeno é pouco investigado em medicina veterinária e pode ser a causa mortis de muitos pacientes. Os exemplos mais comuns ocorrem nas torções de estômago em cães e nos vóbulos e torções intestinais, principalmente em equinos, em razão das grandes extensões de alças intestinais frequentemente envolvidas no processo. Praticamente todo cirurgião veterinário conhece casos de óbitos inexplicáveis durante o pós-operatório de procedimentos cirúrgicos bem-sucedidos para a correção de problemas daquela natureza. Os radicais livres serão estudados com mais detalhes adiante.

### Agentes Químicos

A lista dos agentes químicos que podem lesar as células não caberia neste livro. Agentes químicos capazes de causar lesões são as substâncias tóxicas, os venenos e as toxinas. Embora a característica de uma substância ser ou não tóxica seja apenas uma questão de dosagem, existem substâncias capazes de produzir danos mesmo em pequenas quantidades, e são essas as que interessam aqui. Antes, vale a pena discutirmos três conceitos importantes:

1. **Tóxico:** qualquer substância reconhecidamente capaz de alterar ou destruir funções vitais é considerada tóxica. A intensidade de sua ação, evidentemente, depende de seu potencial tóxico e da quantidade introduzida no corpo.

2. **Veneno:** substância que é tóxica mesmo em pequenas quantidades, como os cianetos de sódio ou potássio. Curiosamente, alguns cianetos, como o ferrocianeto férrico (azul da Prússia), não são tóxicos.

3. **Toxina:** substância tóxica de natureza proteica produzida por organismos vivos. Note que nem toda substância venenosa produzida por organismos vivos é uma toxina. O que realmente caracteriza uma toxina e a diferencia dos venenos químicos e dos alcaloides vegetais é que tem alto peso molecular e propriedades antigênicas, isto é, capacidade de induzir a formação de anticorpos quando introduzida no organismo.

Quanto à forma de ação, as substâncias tóxicas podem agir direta ou indiretamente:

1. **Ação direta:** combinam-se diretamente ou bloqueiam campos chaves do metabolismo celular. Por exemplo, o cianeto de sódio ou de potássio é um asfixiante intracelular que bloqueia uma enzima da cadeia respiratória da mitocôndria, a citocromo-oxidase. A ligação do grupo cianeto a essa enzima impede a produção de ATP a partir do oxigênio nas mitocôndrias. Tecidos que são altamente dependentes da respiração anaeróbica, como o sistema nervoso central e o coração, são particularmente afetados nos envenenamentos por cianetos.

2. **Ação indireta:** o composto em si é biologicamente inativo, mas é convertido em metabólitos tóxicos por processos metabólicos orgânicos normais. O exemplo mais clássico é o do tetracloreto de carbono (CCl₄), um solvente que já foi utilizado em lavagens a seco, como extintor de incêndios, como líquido refrigerante em geladeiras e até como vermífugo e que deixou de ser usado por ser extremamente tóxico para o fígado. Hoje ele é usado apenas em pesquisas, como indutor experimental de necrose centrolobular e cirrose hepática. O efeito tóxico do CCl₄ deve-se à sua transformação, pela enzima P450, em um radical livre extremamente ativo e tóxico que provoca peroxidação das membranas, destruição e morte das células do fígado. A P450 é uma enzima do grupo das oxidases de função mista, cuja função é exatamente desativar substâncias tóxicas, transformando-as em subprodutos que possam ser excretados. As oxidases de função mista, em certas situações, infelizmente são responsáveis por “transformações suicidas”, como a que ocorre com o CCl₄. A capacidade de transformar substâncias inócuas em metabólitos ativos é aproveitada na farmacologia, quando o princípio ativo do medicamento são seus metabólitos e não o composto original. Outra característica das oxidases de função mista é que elas podem sofrer ativação prévia, isto é, indivíduos previamente expostos a outras substâncias, como álcool ou barbitúricos, são mais sensíveis à ação do CCl₄ e, por extensão, a muitos outros tóxicos de ação direta ou indireta.

### Lesão por Radicais Livres

Radicais livres são compostos que têm um elétron único não pareado na órbita externa. Essa configuração instável faz com que eles sejam extremamente reativos, combinando-se avidamente com compostos orgânicos ou inorgânicos. Sua participação em reações é catalítica, produzindo novos radicais livres e perpetuando a reação. São muitos os exemplos de lesões produzidas por radicais livres: intoxicação por oxigênio e ozônio, lesão de reperfusão, intoxicação por certas substâncias, deficiência de selênio ou vitamina C, inflamação, lesões actínicas e envelhecimento.

Embora existam outros, os radicais livres derivados do oxigênio são os mais comuns e importantes. A célula gera energia reduzindo oxigênio para água; no entanto, durante o processo, pequenas quantidades de formas de oxigênio parcialmente reduzido são produzidas como subproduto inevitável da respiração mitocondrial. Algumas dessas formas são radicais livres. Os principais são o ânion superóxido (O₂⁻), o peróxido de hidrogênio (H₂O₂) e o íon hidroxila (OH⁺). O metabolismo enzimático de compostos tóxicos exógenos também pode gerar radicais livres, alguns extremamente perigosos, como o CCl₃, resultante do metabolismo do tetracloreto de carbono no fígado. O óxido nítrico ou monóxido de nitrogênio (NO), um mediador químico produzido por células endoteliais, macrófagos e outras células, cuja principal função é promover o relaxamento da musculatura lisa, também pode atuar como radical livre.

### Principais Ações dos Radicais Livres

Os efeitos dos radicais livres são muito amplos, mas três deles são muito importantes como causadores de lesão celular:

1. **Peroxidação de lipídios de membranas:** radicais livres, principalmente OH⁺, na presença de oxigênio, podem causar peroxidação de lipídios da membrana plasmática e de organelas.

2. **Modificação de proteínas:** radicais livres provocam fragmentação de proteínas por oxidação de cadeias de aminoácidos.

3. **Lesões no DNA:** reações entre os radicais livres e a base nitrogenada timina do DNA nuclear e mitocondrial podem resultam em envelhecimento ou em transformação neoplásica da célula.

Embora os radicais livres sejam instáveis e, em geral, degenerem-se espontaneamente, os organismos animais desenvolveram, ao longo de sua evolução, mecanismos para neutralizá-los ou removê-los e, portanto, minimizar o dano que causariam, já que sua produção é inevitável e o grau de lesão que causam depende do tempo de ação antes de serem neutralizados. Existem mecanismos enzimáticos e não enzimáticos encarregados de destruir esses radicais:

1. **Antioxidantes:** substâncias que bloqueiam a formação ou inativam os radicais livres, interrompendo a lesão. Os exemplos são as vitaminas E, A e C e a glutationa.

2. **Enzimas:** existe uma série de enzimas cuja função é a inativação de radicais livres. Essas enzimas estão sempre próximas aos locais de formação dos radicais livres. Por exemplo:
– **Superóxido dismutase:** sua função é converter o superóxido (O₂⁻) em água.
– **Catalase:** sua função é transformar o peróxido (H₂O₂) em água.
– **Glutationa peroxidase:** sua função é prevenir a peroxidação de lipídios. A falta de ação da glutationa peroxidase acontece na deficiência de selênio e de vitamina E, que são partes integrantes da enzima. O quadro lesional dessa deficiência decorre da extensa lesão de membranas celulares na musculatura estriada (Fig. 3.8) e no fígado, principalmente.

### Outras Causas de Lesão à Célula

São muitos os outros agentes, reações e processos também capazes de causar lesão às células, mas sua discussão escapa aos objetivos deste livro. Entre tantos, citam-se como exemplos os agentes físicos, como os mecânicos, temperatura, pressão, radiação e eletricidade; os agentes infecciosos, como vírus, rickéttsias, bactérias, fungos, protozoários e metazoários; as reações imunológicas, sobretudo aquelas que fogem ao controle do organismo, como as reações anafiláticas ou as doenças autoimunes; os distúrbios genéticos, como certos defeitos metabólicos; os distúrbios nutricionais, como excesso ou falta de nutrientes; e as alterações na demanda fisiológica, como na gestação e lactação ou no excesso de trabalho muscular, ou mesmo na inatividade.

### Bibliografia

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### Capítulo 4: Adaptações Celulares às Agressões

Como visto no capítulo anterior, dependendo do tipo de estímulo ou agressão, as células tentam se adaptar por meio de modificações morfológicas ou funcionais que lhes permitam sobreviver ou manter suas funções diante da nova situação. Adaptação é, portanto, o novo estado de equilíbrio, diferente do normal e que foi atingido pelas células em resposta aos estímulos fisiológicos alterados ou a certos estímulos patológicos. Assim, quando possível, as células encolhem, crescem, se multiplicam ou se modificam para se adaptar às novas condições, isto é, sofrem **atrofia**, **hipertrofia**, **hiperplasia** ou **metaplasia**. Essas alterações estão representadas graficamente nas Figuras 4.1 e 4.2.

 

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