10 werner patologia geral aplicada a veterinária
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### Local da Lesão
A célula pode sofrer danos em qualquer de seus quatro sistemas fundamentais:
1. **Manutenção da integridade das membranas.**
2. **Respiração e geração de energia.**
3. **Síntese de proteínas.**
4. **Manutenção do genoma.**
Esses sistemas serão discutidos a seguir, mas antes existem alguns pontos que devem ser apontados.
Em primeiro lugar, todos esses sistemas são interdependentes e, por isso, muitas vezes é difícil determinar o ponto de ação inicial do agente causador da lesão. Em segundo lugar, as alterações morfológicas reconhecíveis, mesmo sob microscopia óptica, só aparecem muito depois de alterações irreversíveis terem ocorrido. E, em terceiro lugar, nem todos os agentes etiológicos têm seu local ou modo de ação perfeitamente conhecidos. Alguns sim, como o cianeto (cianureto), que bloqueia a citocromo oxidase e, consequentemente, a respiração celular; o *Clostridium perfringens*, que produz fosfolipases que destroem a membrana celular; ou a deficiência de selênio, que induz deficiência de peroxidase glutationa, permitindo peroxidação de membranas celulares em alguns tecidos.
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### Manutenção da Integridade das Membranas Celulares
Dano direto às membranas da célula e de suas organelas é a segunda maior causa de lesão celular, perdendo apenas para a hipóxia. Na realidade, mesmo esta última age produzindo danos indiretos às membranas de organelas. A manutenção da integridade das membranas da célula e de suas organelas constitui o mais importante sistema para garantir a homeostase.
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### Respiração Anaeróbica, Fosforilação Oxidativa e Produção de Adenosina Trifosfato
Distúrbios relacionados ao metabolismo do oxigênio são a mais importante causa de lesão à célula. A suscetibilidade à hipóxia varia entre os tecidos e está diretamente ligada à sua taxa metabólica, isto é, quanto mais dependente da produção de ATP por fosforilação ativa for a célula, mais suscetível ela é. Essa suscetibilidade está ligada em parte à capacidade das células utilizarem glicólise anaeróbica como fonte de energia. Quando comparada com a fosforilação oxidativa, a glicólise anaeróbica é um processo pouco eficiente de produzir energia; além disso, gera ácido láctico, que diminui o pH intracelular e também contribui para a lesão celular. As diferentes formas de hipóxia serão vistas adiante.
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### Síntese Enzimática e de Proteínas
Uma das manifestações importantes da lesão celular é o destacamento dos ribossomos das cisternas do retículo endoplasmático rugoso (RER) ou granular. Como os ribossomos são responsáveis pela síntese de proteínas, essa síntese é suspensa. Novamente, a hipóxia é uma das causas mais comuns do destacamento.
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### Preservação da Integridade do Genoma da Célula
Alterações no ácido desoxirribonucleico (DNA, deoxyribonucleic acid) são responsáveis pelo envelhecimento precoce da célula ou mesmo por sua transformação neoplásica. Apesar de muitos dos danos celulares serem reparados por enzimas especializadas nessa função, alguns persistem, acumulam-se e manifestam-se quando atingem um nível crítico.
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### Causas de Lesão Celular
Algumas causas de lesão já foram estudadas no Capítulo 2, com enfoque macroscópico. Entretanto, neste capítulo, daremos maior ênfase aos aspectos histológicos das alterações discutidas.
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### Hipóxia ou Anóxia
A privação de oxigênio é a forma mais comum e importante de agressão às células. Hipóxia e anóxia indicam, respectivamente, diminuição ou ausência de oxigênio disponível aos tecidos. A hipóxia é relativa e suas consequências dependem da concentração de oxigênio disponível às células. De acordo com a causa, existem três diferentes formas de hipóxia ou anóxia:
1. **Hipóxia ou anóxia estagnante:** há diminuição ou mesmo interrupção do fluxo sanguíneo (por exemplo, isquemia, choque [colapso circulatório], insuficiência cardíaca congestiva e outras formas de congestão venosa). Isquemia é a interrupção da irrigação sanguínea e pode ser causada tanto pela obstrução arterial quanto pelo bloqueio da drenagem venosa (Fig. 3.2). A isquemia produz danos muito mais precoces e graves que as outras formas de hipóxia, uma vez que a falta de irrigação sanguínea impede que cheguem até os tecidos, além do oxigênio, muitos substratos metabólicos, inclusive a glicose.
2. **Hipóxia hipóxica:** causada por baixa tensão de oxigênio no sangue circulante, resultante da diminuição das trocas gasosas nos pulmões, seja porque o ar respirado contém pouco oxigênio, seja porque existe uma lesão pulmonar (por exemplo, insuficiência respiratória grave, pneumonia grave, edema pulmonar alveolar, intoxicação por dióxido de carbono).
3. **Hipóxia anêmica:** causada por baixa tensão de oxigênio no sangue em virtude da diminuição da capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue, como nas anemias graves e nos envenenamentos por cianetos, por monóxido de carbono (carboxiemoglobinemia) ou por nitritos e nitratos (metaemoglobinemia).
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### Consequências da Hipóxia
A falta de oxigênio age sobre a mitocôndria, causando diminuição na síntese de ATP. Essa diminuição, por sua vez, tem quatro consequências básicas:
1. **Bloqueio do transporte ativo de íons sódio e potássio através da membrana celular,** provocando retenção de água e tumefação celular (ver a seguir), a mais importante e precoce manifestação morfológica de lesão.
2. **Indução de glicólise anaeróbica:** com os níveis de oxigênio diminuídos, a célula passa a contar com metabolismo anaeróbico para produção de energia a partir de glicogênio. Os níveis de glicogênio são rapidamente reduzidos e há acúmulo de ácido láctico e consequente diminuição do pH, que pode até precipitar lesão da membrana de lisossomos, com liberação de enzimas lisossômicas e consequente autólise da célula.
3. **Deslocamento de ribossomos:** em consequência da hipóxia, há deslocamento dos ribossomos do RER, com redução da síntese de proteínas e consequente acúmulo intracelular de lipídios e cessação de atividades metabólicas das células.
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### Tumefação Celular Águda
Como dito anteriormente, a tumefação das células é uma das mais precoces e comuns manifestações de lesão celular. Foi chamada por Virchow de **tumefação turva**, termo que, embora raramente, ainda é empregado por alguns patologistas. Diz-se turva porque o tecido deixa de ser translúcido, tornando-se opaco – a córnea, por exemplo, quando lesada ou edemaciada, torna-se opaca. A tumefação é causada pelo acúmulo intracelular de água em decorrência da falha no transporte ativo de íons sódio (Na) e potássio (K), a bomba de sódio e potássio. Em situações normais, o sódio é mantido fora e o potássio dentro da célula, à custa de energia (ATP). A falta de ATP faz com que o potássio saia e o sódio entre na célula, carregando consigo água, o que resulta em tumefação. Uma segunda complicação é a migração de íons cálcio (Ca²⁺) para o interior da célula. A presença intracelular de cálcio ativa algumas enzimas, como as fosfolipases e as proteases, que fazem a digestão de membranas e proteínas do citoesqueleto, contribuindo para a lise das células.
**Aspecto macroscópico:** Tumefação, aumento de peso, turgidez e palidez do órgão afetado. A tumefação, no início do processo, não se traduz por aumento de peso, mas por aumento da pressão do parênquima e consequente aumento da tensão da cápsula. Na necropsia, isso é evidenciado ao se cortar superficialmente o órgão: seu parênquima protrai para além das bordas da cápsula. A palidez é causada pela expulsão do sangue dos capilares, por conta do aumento da pressão. Essas alterações são muito visíveis no fígado e nos rins. Apenas para exemplificar o aspecto do protraimento do parênquima após secção da cápsula, a Figura 3.3 mostra testículos nos quais foram feitos cortes na túnica albugínea. Nos testículos, esse protraimento é uma característica absolutamente normal e sua falta é um indicador de degeneração (atrofia) testicular grave.
**Aspecto microscópico:** As células aumentam de volume, o que é perceptível pelo estreitamento da luz de túbulos no rim (Fig. 3.4) e de sinusoides no fígado, por exemplo. O citoplasma torna-se mais opaco, com obscurecimento de estruturas intracelulares e, à medida que a quantidade de água aumenta, formam-se vacúolos no citoplasma.
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### Degeneração Hidrópica (Espongiose)
É um estágio mais avançado da tumefação celular. Ocorre principalmente na pele, nas mucosas e nos epitélios dos túbulos renais, da pelve renal, dos ureteres, da bexiga urinária, dos alvéolos pulmonares e dos endotélios. Representa o acúmulo intracelular de água em quantidade suficiente para ser visível ao microscópio óptico. Com o agravamento do processo, os vacúolos aumentam progressivamente de volume, coalescem e acabam por romper a parede celular. A união de várias células vizinhas rompidas forma as vesículas, tão características das lesões epiteliais por vírus, agentes químicos e temperatura (Figs. 3.5 e 3.6).
Um exemplo clássico de vesiculação com consequências mais sérias é o que ocorre quando há sobrecarga do rúmen por carboidratos fermentáveis, geralmente grãos. A fermentação produz grande quantidade de ácido láctico, que diminui severamente o pH do conteúdo ruminal e lesa a mucosa ruminal, causando degeneração hidrópica e vesiculação do epitélio. As vesículas formadas rompem-se e permitem a entrada de bactérias no cório do tecido. Essas bactérias caem na circulação porta e formam abscessos metastáticos múltiplos no fígado (Fig. 3.7).
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